19 de setembro de 2010

Por quê não, Coelho ?

Quando tinha quinze anos, disse para minha mãe:

– Descobri minha vocação. Quero ser escritor.

– Meu filho – respondeu ela, com um ar triste – seu pai é um engenheiro. É um homem lógico, razoável, com uma visão precisa do mundo. Você sabe o que é ser um escritor?

– Alguém que escreve livros.

– Seu tio Haroldo, que é médico, também escreve livros, e já publicou alguns. Faça a faculdade de engenharia, e terá tempo para escrever em seus momentos livres.

– Não, mamãe. Eu quero ser apenas escritor. Não um engenheiro que escreve livros.

­– Mas você já conheceu algum escritor? Alguma vez, você já viu um escritor?

– Nunca. Só em fotografias.

– Então como é que você quer ser um escritor, sem saber direito o que é isso?

Para responder à minha mãe, resolvi fazer uma pesquisa. Eis o que descobri sobre o que era ser um escritor, no início da década de sessenta:

A) Um escritor sempre usa óculos, e não se penteia direito. Passa metade do seu tempo com raiva de tudo, e a outra metade deprimido. Vive em bares, discutindo com outros escritores de óculos e despenteados. Fala difícil. Tem sempre ideias fantásticas para o seu próximo romance, e detesta aquele que acabou de publicar.

B) Um Escritor tem o dever e a obrigação de jamais ser compreendido por sua geração – ou nunca chegará a ser considerado um gênio, pois está convencido de que nasceu numa época em que a mediocridade impera. Um escritor sempre faz várias revisões e alterações em cada frase que escreve. O vocabulário de um homem comum é composto de 3000 palavras; um verdadeiro escritor jamais as utiliza, já que existem outras 189000 no dicionário, e ele não é um homem comum.

C- Apenas outros escritores compreendem o que um escritor quer dizer. Mesmo assim ele detesta secretamente os outros escritores – já que estão disputando as mesmas vagas que a história da literatura deixa ao longo dos séculos. Então, o escritor e seus pares disputam o troféu do livro mais complicado: será melhor aquele que conseguir ser o mais difícil.

D- Um escritor entende de temas cujos nomes são assustadores: semiótica, epistemologia, neoconcretismo. Quando deseja chocar alguém, diz coisas como “Einstein é burro” ou “Tolstoi é o palhaço da burguesia”. Todos ficam escandalizados, mas passam a repetir para os outros que a teoria da relatividade está errada, e que Tolstoi defendia os aristocratas russos.

E- Um escritor, para seduzir uma mulher, diz: “sou escritor”, e escreve um poema num guardanapo: funciona sempre.

F- Por causa de sua vasta cultura, um escritor sempre consegue emprego como crítico literário. É neste momento que ele mostra sua generosidade, escrevendo sobre os livros de seus amigos. Metade da crítica é composta de citações de autores estrangeiros; a outra metade são as tais análises de frases, sempre empregando termos como “o corte epistemológico” ou “a visão integrada num eixo correspondente”. Quem lê a crítica comenta: “que sujeito culto”. E não compra o livro, porque não vai saber como continuar a leitura quando o corte epistemológico aparecer.

G- Um escritor, quando convidado a depor sobre o que está lendo naquele momento, sempre cita um livro que ninguém ouviu falar.

H- Só existe um livro que desperta a admiração unânime do escritor e seus pares: Ulisses, de James Joyce. O escritor nunca fala mal deste livro, mas quando alguém lhe pergunta de que se trata, ele não consegue explicar direito, deixando dúvidas se realmente o leu. É um absurdo que Ulisses jamais seja reeditado, já que todos os escritores o citam como uma obra-prima; talvez seja a estupidez dos editores, deixando passar a oportunidade de ganhar muito dinheiro com um livro que todo mundo leu e gostou.

Munido de todas estas informações, voltei à minha mãe e expliquei exatamente o que era ser um escritor. Ela ficou um pouco surpresa.

– É mais fácil ser engenheiro – disse ela. – Além do mais, você não usa óculos.

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Prefácio do livro “Ser como um rio que flui" – Paulo Coelho

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